(Mário Quintana)

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sábado, 31 de março de 2007

Jorge Lemos - Rio Doce

© Walmir Lima

Jorge Lemos

Amigo é uma dádiva. Alguns dos que tenho são do tempo de infância e juventude, como é o caso do Ernesto, que conheço há quarenta e tantos anos - e por isso sou grato a Deus. Outro, meu e do Ernesto, é o querido Jorge Lemos, com quem trabalhamos nos idos dos anos 70.

Quero falar um pouquinho desse homem e escritor maravilhoso. Sua verve inteligente tanto encanta pelo lirismo de sua veia poética, quanto tritura e arrasa quando se levanta contra a existência e persistência de imbecis que ferem seu apurado e consciente senso de justiça e correção.

Como escritor, Jorge nos brinda com pérolas como seu poema ‘Quando a Água Se Fez Doce’, de seu livro ‘Meu Amargo Rio Doce’. Seu conteúdo encantador é capaz de fazer um rio adquirir a verdadeira personalidade de um ser humano. Desse lindo poema, extraí um trecho e divido com vocês hoje.

Rio Doce

Jorge Alfredo Gomes Lemos, capixaba de Muqui, que hoje vive em Louveira, é escritor e teatrólogo, com mais de 28 obras publicadas, e amigo do grande Thiago de Mello.

Jornalista, historiador, radialista e publicitário dos mais intensos e destacados trabalhos, fez cinema, teatro e produção de TV. Hoje, também é conferencista, promove encontros culturais e é membro fundador da Academia Metropolitana de Letras, Artes e Ciências.

Foi Menotti Del Picchia (uma vez entrevistado por ele), com sua frase ‘O menino sabia a linguagem da água...e patinhava’, quem o inspirou a escrever essa poesia...

Quando a Água Se Fez Doce

“O menino sabia a linguagem da água...
e patinhava”, em gostosa brincadeira,
a lama grossa que se formava
com o sereno da fria madrugada,
no fundo da grota, lá no cocuruto
da velha serra mineira.

Foi assim que nasceu meu Doce!

Meu Doce e morno rio nasceu
dos pés descalços do menino
que nunca foi a uma escola,
mas que sabia fazer nascer e crescer
rios como ninguém:
A linguagem das águas exige pureza
que só as crianças possuem!

Não tem outro rio tão puro e tão doce
como este meu Rio Doce.

O Doce nasceu livre,
como devem nascer todos os rios!

Ágil, serpenteou montes, alisou pedras,
despejando-se, às vezes, lá do alto,
em cascatas, corredeiras
e até em cachoeiras.

Um moleque travesso
sempre faz mil brincadeiras.

Rio travesso é assim mesmo:
Se faz moleque para dar alegria
e prazer a muitas vidas.

Um rio, para ser rio bom,
tem que ser ousado;
despejar-se entre pedras
para entrar e conquistar um outro Estado.

Foi assim, a partir do Raio;
saindo das Minas Gerais,
meu rio, noutro Estado, o danado,
como bom conquistador,
fez-se amante e fez-se amado!

Respeitoso, pediu licença ao povo,
cortou largo, espraiado,
gingou maneiro, com aquele jeito manso,
foi conhecer o mar.

Rio gabola, gosta de mostrar suas grandezas;
formou um vale só para si,
numa ânsia incontida de se fazer amar.

Bendisseram todos os oceanos
o gesto deste rio ousado
que impregnou, de um doce amor,
o sal de todas as águas.

Nessa doce lembrança
dos meus tempos de criança,
volto sempre às margens do meu rio,
para lavar em suas águas
minhas tristezas e mágoas.

O Doce sempre adoça
a vida de quem o ama.

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quarta-feira, 28 de março de 2007

Cora Coralina – A Casa Velha da Ponte

© Walmir Lima

Tenho orado muito ultimamente e procurado abrigo em preces não tradicionais que li, algum dia, escritas por gente que amo e admiro: meus poetas - mentores e inspiradores. Elas reproduzem muito do que eu sinto e me saciam.

Relembrando uma dessas orações que, de vez em quando, leio, senti vontade de fazer uma homenagem a uma mulher que é a expressão do valor e da beleza que um ser humano pode atingir nesse mundo.

Homenageio seu exemplo, sua luta, o reconhecimento tardio, sua relação de troca generosa com suas origens, sua relação com sua casa – sua fonte de sustento, seu panteão.

Ela é Cora Coralina – um exemplo de vida, de esperança e da certeza de que tudo é possível...

A Casa Velha da Ponte

Às margens do rio Vermelho, na cidade de Goiás, a casa de Cora, que virou museu após a morte da poetisa, é a lembrança viva dessa doceira que eternizou em versos os encantos de sua terra e a vida simples do interior.

Escritores que têm ou tiveram muitas casas costumam afirmar que a principal, aquela que costumamos chamar de lar, é onde guardam os seus livros.

No caso de Cora Coralina, cujo verdadeiro nome era Ana Lins de Guimarães Peixoto Bretas, essa questão nunca chegou sequer a ser formulada. Seu amor pela Casa Velha da Ponte foi cantado em verso e prosa, para não deixar dúvidas.

Sua imagem de doceira que fazia versos ficou para sempre associada à casa onde nasceu, em 1889, e onde também morreria, em 1985.

A construção colonial acolheu várias gerações da família. Com a morte precoce do pai de Cora, o quintal tornou-se o celeiro a garantir a sobrevivência da mãe, dela e das irmãs.

O amor pelas plantas veio daí. Ela e as irmãs vendiam frutas e verduras e talvez tenha nascido, na mesma época, a doceira que Cora seria até o fim de seus dias.

Os doces que ela preparava no fogão a lenha, em grandes tachos de cobre, eram feitos com frutas do seu quintal.

Mas possuía também o talento para os versos - dom que exercitava já aos catorze anos de idade.

Foi graças aos dois ofícios, vendendo doces e livros, que pôde, mais tarde, recuperar a casa, arrematando-a em leilão num conturbado inventário que se arrastava há décadas.

As últimas três décadas de sua vida – as mais produtivas, quando começou a publicar seus livros – Cora passou ali.

Somente aos 75 anos, viu sair ‘Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais’, o primeiro. Veria outros dois antes de morrer e três sairiam após a sua morte, com quase 96 anos.

Cora passava horas na rede, escrevendo poemas à mão em seu caderno. Só depois dos 70 anos aprendeu a bater à máquina, passando a usar a Olivetti Studio 44 em vez dos cadernos.

E mesmo quando já era famosa e recebia intelectuais continuou a vender produtos do seu quintal. Todos na cidade iam buscar pimenta, cheiro verde e cebolinha da Cora.

Os visitantes do museu, como eu, sentem que, mais que seus livros, Cora guardou ali a própria essência deles: seus pertences revelam a alma da artista, mulher simples, que só cursou a escola primária e cuja sabedoria emanava da terra, da natureza e das tarefas do cotidiano – suas raízes verdadeiras.

Foi numa visita à Casa Velha da Ponte que um dia copiei essa linda oração reveladora do puro ‘eu’ interior de Cora Coralina.

Cora Coralina, viva em paz! ...Para sempre.

Humildade

Senhor, fazei com que eu aceite
minha pobreza tal como sempre foi.

Que eu possa agradecer a Vós
minha cama estreita,
minhas coisinhas pobres,
minha casa de chão,
pedras e tábuas remontadas.

E ter sempre um feixe de lenha
debaixo do meu fogão de taipa,
e acender, eu mesma,
o fogo alegre da minha casa
na manhã de um novo dia que começa.

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terça-feira, 20 de março de 2007

O Pequeno Segredo

© Walmir Lima
Mário Quintana

Pensei muito, muito mesmo. Incentivado pelo Ernesto, finalmente tomei coragem e resolvi publicar uma poesia que tem minha participação na autoria, juntamente com, nada menos que... o mestre. Sua história é a seguinte...

O que eu vou contar talvez responda uma pergunta que me fizeram outro dia: de onde vem tanta admiração por Mário Quintana?

A admiração pelo poeta já existia, mas se tornou esse verdadeiro fascínio depois desse episódio em que o conheci pessoalmente. Ao saber o que vou revelar agora, estou certo de que vocês vão entender tudo: o que me marcou.

Há muito tempo, numa de minhas viagens ao Sul, fui a uma livraria onde estava Mário Quintana participando de um evento literário.

Ele, como sempre, centro das atenções, cercado por vários amigos e admiradores, discorria sobre um tema, que, como tudo que partia dele, cativava a todos e soava como a verdade definitiva.

Respondendo a uma pergunta sobre como se manifestava a inspiração, disse que todos tinham o potencial criador ou ‘veiculador da arte” (como ele costumava expressar). Bastava um impulso motivador, inspirador. E para exemplificar, pegou alguém dos ouvintes para, ali, a partir de um trecho de uma poesia sua, alterá-la ou completá-la, de improviso...

O escolhido,....pasmo,....fui eu.

E saiu uma pequena poesia, que anotei e guardei.

Hoje, nesse momento em que eu volto a escrever, a poesia dele cai bem a propósito, como uma luva, dentro do tema da inspiração, para expressar o que estou sentindo,...o que estou pedindo.

ORAÇÃO

Dai-me a alegria
Do poema de cada dia.
E que ao longo do caminho
Às almas eu distribua
Minha porção de poesia
Sem que ela diminua...
Poesia tanta e tão minha
Que por uma eucaristia
Possa eu fazê-la sua
..............
A minha carne e meu sangue
Em toda a ardente impureza
Deste humano coração...
Mas, ó Coração Divino,
Deixai-me dar de meu vinho,
Deixai-me dar de meu pão!
Que mal faz uma canção?
Basta que tenha beleza...

Mário Quintana

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