Quebrando Pedras e Plantando Flores II
© Walmir LimaCora Coralina
(Atendendo a um pedido muito especial, publico novamente, e com prazer, esta postagem que fiz em Dezembro de 2008)
Meu Blog nunca esteve tão parado, mas espero que, mesmo ‘parado’, ele consiga proporcionar leitura, ainda que antiga, para visitantes novos ou re-leitura nova para amigos antigos.
Até aí, nada de errado, mesmo porque, segundo dizem, ‘não existe nada de completamente errado no mundo; mesmo um relógio parado consegue estar certo duas vezes por dia’.
Em meio a tantas atribulações do meu dia-a-dia atual, entre um telefonema e outro, entre um e-mail e outro, encontrei um tempinho – meia horinha – para reler dois poemas que, como tantos outros de Cora, são reveladores da essência e da alma dessa bela mulher e que me transportaram a um tempo em que eu andava inspirado, com um pouco mais de disposição e tempo - um tempo em que escrevi duas matérias (‘Cora Coralina – A Casa de Pedra' e ‘Saber Viver’) sobre uma de minhas maiores escritoras, que só começou a publicar aos 75 anos de idade e a quem amo perdidamente: Cora Coralina.
Isso me deu vontade de escrever mais um pouco e fazer o ponteiro do relógio do O Centauro ‘pular’ mais um pontinho. Um pontinho com o valor do ouro - do ‘ouro’ contido nos poemas dela.
Conhecer o perfil de mulher traçado por Cora é percorrer o abismo profundo e misterioso das almas femininas, cheias de segredos e reservas, próprias de quem tem a responsabilidade da continuidade.
Cora me encanta por sua simplicidade pessoal, pela doação de seus preciosos valores e costumes, pela simplicidade de sua alma generosa, tão transparente em seus textos, em trechos que gostaria de, aqui, compartilhar:
Todas as Vidas
Vive dentro de mim
Uma cabocla velha
De mau olhado,
Acocorada
Ao pé do borralho,
Olhando pra o fogo.
Vive dentro de mim
A lavadeira
Do Rio Vermelho
Seu cheiro gostoso
D’água e sabão.
Vive dentro de mim
A mulher cozinheira,
Pimenta e cebola,
Quitute bem feito.
Vive dentro de mim
A mulher proletária
Bem linguaruda,
Desabusada,
Sem preconceitos.
Vive dentro de mim
A mulher roceira,
Meio casmurra,
A mulher da vida,
Minha irmãzinha
Tão desprezada,
Tão murmurada.
Todas as vidas
Dentro de mim,
Na minha vida,
A vida mera
Das obscuras.
--o—0—o--
Das Pedras
Ajuntei todas as pedras
Que vieram sobre mim
Levantei uma escada
Muito alta
E no alto subi,
Teci um tapete floreado
E no sonho me perdi...
Uma estrada,
Um leito,
Uma casa,
Um companheiro.
Tudo de pedra...
Entre pedras cresceu
A minha poesia,
Minha vida...
Quebrando pedras
E plantando flores...
Entre pedras
Que me esmagavam
Levantei a pedra rude
Dos meus versos...
--o—0—o--
Vive dentro de mim
Uma cabocla velha
De mau olhado,
Acocorada
Ao pé do borralho,
Olhando pra o fogo.
Vive dentro de mim
A lavadeira
Do Rio Vermelho
Seu cheiro gostoso
D’água e sabão.
Vive dentro de mim
A mulher cozinheira,
Pimenta e cebola,
Quitute bem feito.
Vive dentro de mim
A mulher proletária
Bem linguaruda,
Desabusada,
Sem preconceitos.
Vive dentro de mim
A mulher roceira,
Meio casmurra,
A mulher da vida,
Minha irmãzinha
Tão desprezada,
Tão murmurada.
Todas as vidas
Dentro de mim,
Na minha vida,
A vida mera
Das obscuras.
--o—0—o--
Das Pedras
Ajuntei todas as pedras
Que vieram sobre mim
Levantei uma escada
Muito alta
E no alto subi,
Teci um tapete floreado
E no sonho me perdi...
Uma estrada,
Um leito,
Uma casa,
Um companheiro.
Tudo de pedra...
Entre pedras cresceu
A minha poesia,
Minha vida...
Quebrando pedras
E plantando flores...
Entre pedras
Que me esmagavam
Levantei a pedra rude
Dos meus versos...
--o—0—o--
Na minha visão, o lirismo crítico e filosófico de Cora Coralina aflora da rude aridez da pedra, das tristezas e adversidades, de sua inquietude por viver numa época e contexto de anulação das realizações pessoais da mulher em favor do seu homem e da família.
E, como reflexo de sua doce tenacidade, seus versos fluem aveludando o tecido grosso que veste a realidade de suas experiências.
Cora Coralina... quebrando pedras e plantando flores.
.
LINK => CLIQUE AQUI PARA FAZER SEU COMENTÁRIO
4 Comentários:
Walmir
Andamos escondidos neste 2010. Não acredito que tenha sido proporcionado só pela falta de tempo. Acredito que tenha sido uma decorrência de uma profunda reflexão sobre o nosso verdadeiro papel como ser humano.O superfluo e o vazio predominam neste universo virtual. Os temas mais profundos, aqueles que marcam a necessidade de reflexão são superficialmente analisados. As pessoas, parece-me, não querem tratar das coisas sérias e necessárias ao aperfeiçoamento da vida.
Pedimos a voce, Estephania e eu, que voltasse a postar Cora Coralina em sua profunda lição de vida em "Quebrando Pedras e Plantando Flores, abordagem profunda e com uma reflexão que justifica você como escritor.
Nunca estivemos distante; talvez os distantes tenham sido aqueles que se cansam com verdades de vida como as escritas por Cora, Dona Chiquita, e por você.
Não se esqueça do papel que representamos neste momento tão dificil da sociedade humana. Reflita sobre isto e poste mais vezes o que sente e pensa. O mundo carece.
Jorge Lemos
Meu querido Jorge,
Suas palavras e, principalmente, seu exemplo de vida, como Homem e como Escritor (Uma estrela de quinta grandeza!) são fonte de alimento para a alma e incentivo para a lida deste simples iniciante.
Um terno e agradecido abraço cheio de admiração e carinho a você e à querida Estephania,
Walmir
.
Walmir
A Cora Coralina é uma mulher como poucas! Quando ela diz:
"Entre pedras cresceu
A minha poesia,
Minha vida...
Quebrando pedras
E plantando flores..."
acho que ela fala de cada um de nós... Não canso de ler a poesia dela. Obrigada por compartilhar conosco.
Beijo
Anne
Anne,
É gratificante a fidelidade da tua presença no "O Centauro" e ver que você admira a poeta tanto quanto eu.
Vale a pena teimar a poesia!
Bjão
LINK => CLIQUE AQUI PARA FAZER SEU COMENTÁRIO
4 Comentários: