(Mário Quintana)

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domingo, 2 de janeiro de 2011

Memórias de um Leitor de Poesia

© Walmir Lima



Já há algum tempo eu não recomendava um livro aqui no ‘O Centauro’. Neste final de semana de Reveillon consegui, finalmente, retomar um pouco minha leitura e, mesmo sendo adepto do não academicismo dos poemas híbridos (poemas sem os grilhões da rima e da pontuação), gostaria de recomendar, inclusive por uma proposta crítica, esse belo livro no qual, paradoxalmente, ao longo da leitura, fui encontrando pontos de apoio e aval acadêmico para minhas velhas convicções.

Falo de "Memórias de um Leitor de Poesia", coletânea de aulas, discurso acadêmico, ensaios e críticas do poeta e professor de literatura Antonio Carlos Secchin, editada pela Topbooks.

O volume consta de um conjunto de dezoito ensaios, a maior parte sobre poetas brasileiros, de ontem e de hoje (Cecília Meireles, Carlos Drummond de Andrade, Vinicius de Moraes, Jorge de Lima e Chico Buarque, entre outros).

O autor, poeta e ensaísta, o mais jovem membro da Academia Brasileira de Letras, é, como se diz, “um poeta que se fez crítico ou simplesmente um poeta-crítico” e propõe a leitura crítica como ponto de partida para o discurso criativo.

Segundo ele, “a palavra do outro – professor, escritor – tende a carregar-se de um paralisante poder de verdade. Ainda assim, é importante ouvi-la – não para repeti-la, mas para iniciarmos nosso discurso a partir do ponto onde ela se cala, e, desse modo, evitar que nos transformemos em meros bonecos de ventríloquos do pensamento alheio”.

Em quase nove décadas de veemência em sua natureza rebelde, os modernistas, cultores do verso branco e do ritmo dissoluto, fizeram tal alarde contra a poética de rimas ricas e métrica rigorosa de seus antecessores parnasianos que terminaram por sepultá-la sem permitir que sua contribuição gerasse frutos na produção literária herdada e aprendida pelos que os sucederam.

Secchin reconhece que o Parnasianismo pagou o preço do próprio sucesso na medida em que se propagou por todo o país em versões esterilizadas ou estereotipadas, ou ambas.

Ocorreu-lhe, assim, o que de pior pode suceder a um estilo: ser confundido com a diluição que dele faz a multidão de falsos entendidos e dos imitadores sem talento.

O trabalho dele neste livro tem o mérito de buscar resgatar uma Cecília Meireles dos devotos exclusivos de seu detalhamento rebuscado, ou de reconhecer em Vinicius de Morais o “maior poeta lírico da poesia brasileira no século 20”, e não apenas o poetinha sambista e mulherengo.

Li, e é bem verdade, que Secchin é um daqueles bons críticos que se empenham em restaurar, sem afetações, o que de realmente bom e de útil podemos encontrar direto na fonte, direto nas obras, deixando de lado esse folclórico vício, bem brasileiro, de rotular tudo:

- Castro Alves, o abolicionista apaixonado;
- Augusto dos Anjos, o tétrico tísico;
- João Cabral, o inimigo da música;
- Cecília Meireles, a alienada emotiva;
- Vinicius, o bom de papo, pandeiro e copo.

Poeta de talento, Secchin fez um trabalho similar ao de historiadores que vão direto aos documentos originais. Em seu discurso, dissecou, por exemplo, o lirismo de Tomás Antônio Gonzaga, árcade da Inconfidência Mineira e praticamente redimensionou a fortuna crítica do Romantismo brasileiro a partir das diferenças que registrou em suas antologias.

Corajoso e ousado, enfrentou o maior e arriscado desafio a que se pode propor um crítico: definir poesia.

"A poesia é o lugar do imponderável, onde, portanto, até o ponderável pode acontecer. Mas nada disso vale, se o delírio não se submeter ao imperativo da forma”.

Desculpe-me, mas eu acho que vale.

Não é a forma a única fonte de revelação do conteúdo e o imperativo pode castrar a expressão.


 
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