Ecos
© Walmir LimaEcos
Ainda ouço o eco dos meus pensamentos deste fim de semana, das conversas com Jorge e nossas reflexões.
A alegria do meu reencontro, hoje, com Alfredo, filho mais velho de Jorge e Estephania, depois de tantos anos, também me fez pensar no quanto o tempo passa rápido e no quanto deixamos para trás... no quanto tudo muda, e muda tanto, ao longo dos anos e não percebemos.
Em determinado momento de nossa conversa, Aline citou Rubem Alves e me lembrei que, exatamente como ele contou uma vez em uma de suas obras, também folheei nesta semana meus álbuns de fotografias e fiquei olhando, emocionado, as fotos de meus filhos ainda pequenininhos e vi o quanto tudo mudou... Quantas perdas ao longo do caminho.
"A vida é mesmo feita de perdas", disse Rubem. Aquele tempo passou. Aquela alegria foi engolida, como uma gota, pelo oceano do tempo e da vida. Não volta mais.
Mas é desse sentimento, também, que nasce a arte, nosso conforto, cuja beleza brota da intensidade desses sentimentos tristes e nostálgicos e nos traz de volta as lembranças, sempre que ouvimos 'aquela' música, ou lemos 'aquele' poema, ou vemos 'aquela' pintura, 'aquela' foto, 'aquela' imagem.
A espantosa realidade das coisas
É a minha descoberta de todos os dias
Cada coisa é o que é.
E é difícil explicar a alguém o quanto isso me alegra,
E quanto isso me basta.
Basta existir para ser completo.
"Temos, todos que vivemos,
Uma vida que é vivida
E outra vida que é pensada,
E a única vida que temos
É essa que é dividida
Entre a verdadeira e a errada."
(Imagem: "A Marat" óleo de Jacques-Louis David - 1793)
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16 Comentários:
Seu reencontro com o Alfredão
nos levou ao passado cheio de histórias. Pena que o Ernesto
não tenha estado junto. Faltou o Carlão, também!
Contenta de volver,
alegre de volveros a leer,
os eché de menos.
Preciosas reflexiones,
vaya, parece que Pessoa esta muy presente en todos nosotros.
Sus palabras riegan mi cuerpo y mi mente como sangre vital y necesaria para la vida.
Las vuestras tambien querido Walmir.
Un beso,
ana.
ganha-se com a perda também, quando abrimos a mente para relembrar momentos tão bem vividos e compartilhados!
"(...) quantas perdas ao longo do caminho(...)"...
Não há que encarar lembranças que brotam de momentos passados como "perdas"... Essas perdas são o que te fizeram como és hoje - essa pessoa linda, inteligente, carinhosa e amiga - Nostalgia não deveria ser triste, temos que tentar vê-la como lembranças boas de um momento que se foi... Tiveram outros e terão outros muitos ainda...
Lindo texto!
Beijo
"A vida é mesmo feita de perdas", disse Rubem. Aquele tempo passou. Aquela alegria foi engolida, como uma gota, pelo oceano do tempo e da vida. Não volta mais.
Vou utilizar o teu pensamento e o da Anne para dizer o que surgiu ao ler-te hoje.
Lembranças pedras que pavimentam o nosso caminho.
Instantes fugidios da vida que se foi, a afirmar que ainda existimos.
Para dar significado a vida, recorremos a elas feito aves ao ninho.
Se as sentimos no tempo que se vai, é que de fato vivemos.
Na química da vida nada se perde tudo se transforma.
A cada momento não somos o que fomos antes.
A vida sem seus opostos, não tem sentido nem forma.
Estranho saber-se existir em nós eqüidistantes.
Na morte das coisas ressurge a vida.
O tempo tem seu próprio tempo de ser.
Cada partida um prenúncio da chegada.
O que vivemos fruiu por nós, envolvendo o que está porvir.
Pedras do meu caminho, instantes de mim sem fim.
Quem dera saber meu destino, para poder ir ou vir.
Vittorio: Que soneto linnnnnnnnndo!! Vou perguntar de novo: Onde está o teu blog??????? Poeta :-)
Vamos combinar Walmir, Rubem Alves é D+, vai ai mais um dele, ainda não posso afirmar que é o meu predileto, mas gosto muito.
Beijokas no coração.
A pipoca
Rubem Alves
A culinária me fascina. De vez em quando eu até me até atrevo a cozinhar. Mas o fato é que sou mais competente com as palavras do que com as panelas.
Por isso tenho mais escrito sobre comidas que cozinhado. Dedico-me a algo que poderia ter o nome de "culinária literária". Já escrevi sobre as mais variadas entidades do mundo da cozinha: cebolas, ora-pro-nobis, picadinho de carne com tomate feijão e arroz, bacalhoada, suflês, sopas, churrascos.
Cheguei mesmo a dedicar metade de um livro poético-filosófico a uma meditação sobre o filme A Festa de Babette que é uma celebração da comida como ritual de feitiçaria. Sabedor das minhas limitações e competências, nunca escrevi como chef. Escrevi como filósofo, poeta, psicanalista e teólogo — porque a culinária estimula todas essas funções do pensamento.
As comidas, para mim, são entidades oníricas.
Provocam a minha capacidade de sonhar. Nunca imaginei, entretanto, que chegaria um dia em que a pipoca iria me fazer sonhar. Pois foi precisamente isso que aconteceu.
A pipoca, milho mirrado, grãos redondos e duros, me pareceu uma simples molecagem, brincadeira deliciosa, sem dimensões metafísicas ou psicanalíticas. Entretanto, dias atrás, conversando com uma paciente, ela mencionou a pipoca. E algo inesperado na minha mente aconteceu. Minhas idéias começaram a estourar como pipoca. Percebi, então, a relação metafórica entre a pipoca e o ato de pensar. Um bom pensamento nasce como uma pipoca que estoura, de forma inesperada e imprevisível.
A pipoca se revelou a mim, então, como um extraordinário objeto poético. Poético porque, ao pensar nelas, as pipocas, meu pensamento se pôs a dar estouros e pulos como aqueles das pipocas dentro de uma panela. Lembrei-me do sentido religioso da pipoca. A pipoca tem sentido religioso? Pois tem.
Para os cristãos, religiosos são o pão e o vinho, que simbolizam o corpo e o sangue de Cristo, a mistura de vida e alegria (porque vida, só vida, sem alegria, não é vida...). Pão e vinho devem ser bebidos juntos. Vida e alegria devem existir juntas.
Lembrei-me, então, de lição que aprendi com a Mãe Stella, sábia poderosa do Candomblé baiano: que a pipoca é a comida sagrada do Candomblé...
A pipoca é um milho mirrado, subdesenvolvido.
Fosse eu agricultor ignorante, e se no meio dos meus milhos graúdos aparecessem aquelas espigas nanicas, eu ficaria bravo e trataria de me livrar delas. Pois o fato é que, sob o ponto de vista de tamanho, os milhos da pipoca não podem competir com os milhos normais. Não sei como isso aconteceu, mas o fato é que houve alguém que teve a idéia de debulhar as espigas e colocá-las numa panela sobre o fogo, esperando que assim os grãos amolecessem e pudessem ser comidos.
Havendo fracassado a experiência com água, tentou a gordura. O que aconteceu, ninguém jamais poderia ter imaginado.
Repentinamente os grãos começaram a estourar, saltavam da panela com uma enorme barulheira. Mas o extraordinário era o que acontecia com eles: os grãos duros quebra-dentes se transformavam em flores brancas e macias que até as crianças podiam comer. O estouro das pipocas se transformou, então, de uma simples operação culinária, em uma festa, brincadeira, molecagem, para os risos de todos, especialmente as crianças. É muito divertido ver o estouro das pipocas!
E o que é que isso tem a ver com o Candomblé? É que a transformação do milho duro em pipoca macia é símbolo da grande transformação porque devem passar os homens para que eles venham a ser o que devem ser. O milho da pipoca não é o que deve ser. Ele deve ser aquilo que acontece depois do estouro. O milho da pipoca somos nós: duros, quebra-dentes, impróprios para comer, pelo poder do fogo podemos, repentinamente, nos transformar em outra coisa — voltar a ser crianças! Mas a transformação só acontece pelo poder do fogo.
Milho de pipoca que não passa pelo fogo continua a ser milho de pipoca, para sempre.
Assim acontece com a gente. As grandes transformações acontecem quando passamos pelo fogo. Quem não passa pelo fogo fica do mesmo jeito, a vida inteira. São pessoas de uma mesmice e dureza assombrosa. Só que elas não percebem. Acham que o seu jeito de ser é o melhor jeito de ser.
Mas, de repente, vem o fogo. O fogo é quando a vida nos lança numa situação que nunca imaginamos. Dor. Pode ser fogo de fora: perder um amor, perder um filho, ficar doente, perder um emprego, ficar pobre. Pode ser fogo de dentro. Pânico, medo, ansiedade, depressão — sofrimentos cujas causas ignoramos.Há sempre o recurso aos remédios. Apagar o fogo. Sem fogo o sofrimento diminui. E com isso a possibilidade da grande transformação.
Imagino que a pobre pipoca, fechada dentro da panela, lá dentro ficando cada vez mais quente, pense que sua hora chegou: vai morrer. De dentro de sua casca dura, fechada em si mesma, ela não pode imaginar destino diferente. Não pode imaginar a transformação que está sendo preparada. A pipoca não imagina aquilo de que ela é capaz. Aí, sem aviso prévio, pelo poder do fogo, a grande transformação acontece: PUF!! — e ela aparece como outra coisa, completamente diferente, que ela mesma nunca havia sonhado. É a lagarta rastejante e feia que surge do casulo como borboleta voante.
Na simbologia cristã o milagre do milho de pipoca está representado pela morte e ressurreição de Cristo: a ressurreição é o estouro do milho de pipoca. É preciso deixar de ser de um jeito para ser de outro.
"Morre e transforma-te!" — dizia Goethe.
Em Minas, todo mundo sabe o que é piruá. Falando sobre os piruás com os paulistas, descobri que eles ignoram o que seja. Alguns, inclusive, acharam que era gozação minha, que piruá é palavra inexistente. Cheguei a ser forçado a me valer do Aurélio para confirmar o meu conhecimento da língua. Piruá é o milho de pipoca que se recusa a estourar.
Meu amigo William, extraordinário professor pesquisador da Unicamp, especializou-se em milhos, e desvendou cientificamente o assombro do estouro da pipoca. Com certeza ele tem uma explicação científica para os piruás. Mas, no mundo da poesia, as explicações científicas não valem.
Por exemplo: em Minas "piruá" é o nome que se dá às mulheres que não conseguiram casar. Minha prima, passada dos quarenta, lamentava: "Fiquei piruá!" Mas acho que o poder metafórico dos piruás é maior.
Piruás são aquelas pessoas que, por mais que o fogo esquente, se recusam a mudar. Elas acham que não pode existir coisa mais maravilhosa do que o jeito delas serem.
Ignoram o dito de Jesus: "Quem preservar a sua vida perdê-la-á".A sua presunção e o seu medo são a dura casca do milho que não estoura. O destino delas é triste. Vão ficar duras a vida inteira. Não vão se transformar na flor branca macia. Não vão dar alegria para ninguém. Terminado o estouro alegre da pipoca, no fundo a panela ficam os piruás que não servem para nada. Seu destino é o lixo.
Quanto às pipocas que estouraram, são adultos que voltaram a ser crianças e que sabem que a vida é uma grande brincadeira...
"Nunca imaginei que chegaria um dia em que a pipoca iria me fazer sonhar. Pois foi precisamente isso que aconteceu".
O texto acima foi extraído do jornal "Correio Popular", de Campinas (SP), onde o escritor mantém coluna bissemanal.
Rubem Alves: tudo sobre sua vida e sua obra em "Biografias".
Walmir Amigo
Em nosso mundo, a substância (matéria) surge, aparentemente, do nada,diriam os físicos. Em nossa reflexão, antes do almoço, vendo parte da familia reunida, (você incluso), dei um giro, amplo verdadeiramente, pela nossas vidas: senti que se colocarmos o nosso passado sob a lente de um microscópio atômico veremos que a
única coisa que vai aparecer é a energia dos nossos sonhos.
A materialização destes sonhos
é o que nos mantem plenamente vivos.
É muito bom continuar sonhando.
Queridos amigos,
Grato por sua visita e por suas palavras, noto carinho e mesmo preocupação.
Assim, preparei um comentário acrescentando e, quem sabe, esclarecendo meu pensamento.
Porém ficou muito longo, então resolvi incluí-lo, não como um comentário, mas como uma postagem, que publico a seguir.
Um beijo doce a todos.
Gostaria de abraçar e beijar, longamente, cada um de vocês, nesse momento.
Meu amor e carinho.
Walmir
Abraçados e beijados nos sentimos e retribuimos...
Epa!
Eu nao falei nada até agora, e também, quero abraço e beijo...
Realmente , a nostalgia do passado e a esperança no futuro, são sentimentos inevitáveis , e é ótimo poder acessá-los quando melhor nos convier.Mas a delícia da vida, está em ter satisfaçao, na realidade do hoje...
Bjo Walmir
Lú.
Oh, Lú... Você também tem beijo e abraço.
Mas, eu num tô louco!
Se eu for falá o tanto de bêjo e de abraço que tenho reservado procê, dessa vêiz arrisco é de levá coaquele "poste" bem "no meio das idéia".
Lembra daquele ditado?
"Gato esCALHAUdado tem medo de água fria"?!?!
Vô é ficá quieto no meu canto, sô!
Ecos de uma grande amizade.
Cunhados forever!
Bj e abraço.
Lú.
"basta existir para ser completo"
falar mais o quê, depois dessa frase?
Parabéns por expressar tão maravilhosamente o que sente!
Walmir,
Lembro de uma passagem do filme "Pecados Íntimos" que me marcou bastante; a pesrsonagem, diz mais ou menos o seguinte:
"durante toda a vida, nos preparamos para perder tudo aquilo que amamos e ainda assim, continuamos vivendo..."
Pra variar, lindo, emocionado e sensível texto.
É sempre um bálsamo lê-los!
Bjão!
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