(Mário Quintana)

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segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

Ecos

© Walmir Lima

Ecos

Ainda ouço o eco dos meus pensamentos deste fim de semana, das conversas com Jorge e nossas reflexões.

A alegria do meu reencontro, hoje, com Alfredo, filho mais velho de Jorge e Estephania, depois de tantos anos, também me fez pensar no quanto o tempo passa rápido e no quanto deixamos para trás... no quanto tudo muda, e muda tanto, ao longo dos anos e não percebemos.

Em determinado momento de nossa conversa, Aline citou Rubem Alves e me lembrei que, exatamente como ele contou uma vez em uma de suas obras, também folheei nesta semana meus álbuns de fotografias e fiquei olhando, emocionado, as fotos de meus filhos ainda pequenininhos e vi o quanto tudo mudou... Quantas perdas ao longo do caminho.

"A vida é mesmo feita de perdas", disse Rubem. Aquele tempo passou. Aquela alegria foi engolida, como uma gota, pelo oceano do tempo e da vida. Não volta mais.

Mas é desse sentimento, também, que nasce a arte, nosso conforto, cuja beleza brota da intensidade desses sentimentos tristes e nostálgicos e nos traz de volta as lembranças, sempre que ouvimos 'aquela' música, ou lemos 'aquele' poema, ou vemos 'aquela' pintura, 'aquela' foto, 'aquela' imagem.

A espantosa realidade das coisas
É a minha descoberta de todos os dias
Cada coisa é o que é.
E é difícil explicar a alguém o quanto isso me alegra,
E quanto isso me basta.

Basta existir para ser completo.


"Temos, todos que vivemos,
Uma vida que é vivida
E outra vida que é pensada,
E a única vida que temos
É essa que é dividida
Entre a verdadeira e a errada."
(Fernando Pessoa)




(Imagem: "A Marat" óleo de Jacques-Louis David - 1793)

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16 Comentários:

Blogger Jorge Lemos disse...

Seu reencontro com o Alfredão
nos levou ao passado cheio de histórias. Pena que o Ernesto
não tenha estado junto. Faltou o Carlão, também!

14 de janeiro de 2008 às 08:12  
Blogger ana disse...

Contenta de volver,
alegre de volveros a leer,
os eché de menos.
Preciosas reflexiones,
vaya, parece que Pessoa esta muy presente en todos nosotros.
Sus palabras riegan mi cuerpo y mi mente como sangre vital y necesaria para la vida.
Las vuestras tambien querido Walmir.
Un beso,
ana.

14 de janeiro de 2008 às 10:59  
Anonymous Anônimo disse...

ganha-se com a perda também, quando abrimos a mente para relembrar momentos tão bem vividos e compartilhados!

14 de janeiro de 2008 às 11:59  
Blogger Anne M. Moor disse...

"(...) quantas perdas ao longo do caminho(...)"...
Não há que encarar lembranças que brotam de momentos passados como "perdas"... Essas perdas são o que te fizeram como és hoje - essa pessoa linda, inteligente, carinhosa e amiga - Nostalgia não deveria ser triste, temos que tentar vê-la como lembranças boas de um momento que se foi... Tiveram outros e terão outros muitos ainda...
Lindo texto!
Beijo

14 de janeiro de 2008 às 15:13  
Blogger vittorio disse...

"A vida é mesmo feita de perdas", disse Rubem. Aquele tempo passou. Aquela alegria foi engolida, como uma gota, pelo oceano do tempo e da vida. Não volta mais.



Vou utilizar o teu pensamento e o da Anne para dizer o que surgiu ao ler-te hoje.



Lembranças pedras que pavimentam o nosso caminho.

Instantes fugidios da vida que se foi, a afirmar que ainda existimos.

Para dar significado a vida, recorremos a elas feito aves ao ninho.

Se as sentimos no tempo que se vai, é que de fato vivemos.


Na química da vida nada se perde tudo se transforma.

A cada momento não somos o que fomos antes.

A vida sem seus opostos, não tem sentido nem forma.

Estranho saber-se existir em nós eqüidistantes.


Na morte das coisas ressurge a vida.

O tempo tem seu próprio tempo de ser.

Cada partida um prenúncio da chegada.


O que vivemos fruiu por nós, envolvendo o que está porvir.

Pedras do meu caminho, instantes de mim sem fim.

Quem dera saber meu destino, para poder ir ou vir.

14 de janeiro de 2008 às 17:14  
Blogger Anne M. Moor disse...

Vittorio: Que soneto linnnnnnnnndo!! Vou perguntar de novo: Onde está o teu blog??????? Poeta :-)

14 de janeiro de 2008 às 17:33  
Blogger Unknown disse...

Vamos combinar Walmir, Rubem Alves é D+, vai ai mais um dele, ainda não posso afirmar que é o meu predileto, mas gosto muito.
Beijokas no coração.

A pipoca
Rubem Alves
A culinária me fascina. De vez em quando eu até me até atrevo a cozinhar. Mas o fato é que sou mais competente com as palavras do que com as panelas.

Por isso tenho mais escrito sobre comidas que cozinhado. Dedico-me a algo que poderia ter o nome de "culinária literária". Já escrevi sobre as mais variadas entidades do mundo da cozinha: cebolas, ora-pro-nobis, picadinho de carne com tomate feijão e arroz, bacalhoada, suflês, sopas, churrascos.

Cheguei mesmo a dedicar metade de um livro poético-filosófico a uma meditação sobre o filme A Festa de Babette que é uma celebração da comida como ritual de feitiçaria. Sabedor das minhas limitações e competências, nunca escrevi como chef. Escrevi como filósofo, poeta, psicanalista e teólogo — porque a culinária estimula todas essas funções do pensamento.

As comidas, para mim, são entidades oníricas.

Provocam a minha capacidade de sonhar. Nunca imaginei, entretanto, que chegaria um dia em que a pipoca iria me fazer sonhar. Pois foi precisamente isso que aconteceu.

A pipoca, milho mirrado, grãos redondos e duros, me pareceu uma simples molecagem, brincadeira deliciosa, sem dimensões metafísicas ou psicanalíticas. Entretanto, dias atrás, conversando com uma paciente, ela mencionou a pipoca. E algo inesperado na minha mente aconteceu. Minhas idéias começaram a estourar como pipoca. Percebi, então, a relação metafórica entre a pipoca e o ato de pensar. Um bom pensamento nasce como uma pipoca que estoura, de forma inesperada e imprevisível.

A pipoca se revelou a mim, então, como um extraordinário objeto poético. Poético porque, ao pensar nelas, as pipocas, meu pensamento se pôs a dar estouros e pulos como aqueles das pipocas dentro de uma panela. Lembrei-me do sentido religioso da pipoca. A pipoca tem sentido religioso? Pois tem.

Para os cristãos, religiosos são o pão e o vinho, que simbolizam o corpo e o sangue de Cristo, a mistura de vida e alegria (porque vida, só vida, sem alegria, não é vida...). Pão e vinho devem ser bebidos juntos. Vida e alegria devem existir juntas.

Lembrei-me, então, de lição que aprendi com a Mãe Stella, sábia poderosa do Candomblé baiano: que a pipoca é a comida sagrada do Candomblé...

A pipoca é um milho mirrado, subdesenvolvido.

Fosse eu agricultor ignorante, e se no meio dos meus milhos graúdos aparecessem aquelas espigas nanicas, eu ficaria bravo e trataria de me livrar delas. Pois o fato é que, sob o ponto de vista de tamanho, os milhos da pipoca não podem competir com os milhos normais. Não sei como isso aconteceu, mas o fato é que houve alguém que teve a idéia de debulhar as espigas e colocá-las numa panela sobre o fogo, esperando que assim os grãos amolecessem e pudessem ser comidos.

Havendo fracassado a experiência com água, tentou a gordura. O que aconteceu, ninguém jamais poderia ter imaginado.

Repentinamente os grãos começaram a estourar, saltavam da panela com uma enorme barulheira. Mas o extraordinário era o que acontecia com eles: os grãos duros quebra-dentes se transformavam em flores brancas e macias que até as crianças podiam comer. O estouro das pipocas se transformou, então, de uma simples operação culinária, em uma festa, brincadeira, molecagem, para os risos de todos, especialmente as crianças. É muito divertido ver o estouro das pipocas!

E o que é que isso tem a ver com o Candomblé? É que a transformação do milho duro em pipoca macia é símbolo da grande transformação porque devem passar os homens para que eles venham a ser o que devem ser. O milho da pipoca não é o que deve ser. Ele deve ser aquilo que acontece depois do estouro. O milho da pipoca somos nós: duros, quebra-dentes, impróprios para comer, pelo poder do fogo podemos, repentinamente, nos transformar em outra coisa — voltar a ser crianças! Mas a transformação só acontece pelo poder do fogo.

Milho de pipoca que não passa pelo fogo continua a ser milho de pipoca, para sempre.

Assim acontece com a gente. As grandes transformações acontecem quando passamos pelo fogo. Quem não passa pelo fogo fica do mesmo jeito, a vida inteira. São pessoas de uma mesmice e dureza assombrosa. Só que elas não percebem. Acham que o seu jeito de ser é o melhor jeito de ser.

Mas, de repente, vem o fogo. O fogo é quando a vida nos lança numa situação que nunca imaginamos. Dor. Pode ser fogo de fora: perder um amor, perder um filho, ficar doente, perder um emprego, ficar pobre. Pode ser fogo de dentro. Pânico, medo, ansiedade, depressão — sofrimentos cujas causas ignoramos.Há sempre o recurso aos remédios. Apagar o fogo. Sem fogo o sofrimento diminui. E com isso a possibilidade da grande transformação.

Imagino que a pobre pipoca, fechada dentro da panela, lá dentro ficando cada vez mais quente, pense que sua hora chegou: vai morrer. De dentro de sua casca dura, fechada em si mesma, ela não pode imaginar destino diferente. Não pode imaginar a transformação que está sendo preparada. A pipoca não imagina aquilo de que ela é capaz. Aí, sem aviso prévio, pelo poder do fogo, a grande transformação acontece: PUF!! — e ela aparece como outra coisa, completamente diferente, que ela mesma nunca havia sonhado. É a lagarta rastejante e feia que surge do casulo como borboleta voante.

Na simbologia cristã o milagre do milho de pipoca está representado pela morte e ressurreição de Cristo: a ressurreição é o estouro do milho de pipoca. É preciso deixar de ser de um jeito para ser de outro.

"Morre e transforma-te!" — dizia Goethe.

Em Minas, todo mundo sabe o que é piruá. Falando sobre os piruás com os paulistas, descobri que eles ignoram o que seja. Alguns, inclusive, acharam que era gozação minha, que piruá é palavra inexistente. Cheguei a ser forçado a me valer do Aurélio para confirmar o meu conhecimento da língua. Piruá é o milho de pipoca que se recusa a estourar.

Meu amigo William, extraordinário professor pesquisador da Unicamp, especializou-se em milhos, e desvendou cientificamente o assombro do estouro da pipoca. Com certeza ele tem uma explicação científica para os piruás. Mas, no mundo da poesia, as explicações científicas não valem.

Por exemplo: em Minas "piruá" é o nome que se dá às mulheres que não conseguiram casar. Minha prima, passada dos quarenta, lamentava: "Fiquei piruá!" Mas acho que o poder metafórico dos piruás é maior.

Piruás são aquelas pessoas que, por mais que o fogo esquente, se recusam a mudar. Elas acham que não pode existir coisa mais maravilhosa do que o jeito delas serem.

Ignoram o dito de Jesus: "Quem preservar a sua vida perdê-la-á".A sua presunção e o seu medo são a dura casca do milho que não estoura. O destino delas é triste. Vão ficar duras a vida inteira. Não vão se transformar na flor branca macia. Não vão dar alegria para ninguém. Terminado o estouro alegre da pipoca, no fundo a panela ficam os piruás que não servem para nada. Seu destino é o lixo.

Quanto às pipocas que estouraram, são adultos que voltaram a ser crianças e que sabem que a vida é uma grande brincadeira...

"Nunca imaginei que chegaria um dia em que a pipoca iria me fazer sonhar. Pois foi precisamente isso que aconteceu".


O texto acima foi extraído do jornal "Correio Popular", de Campinas (SP), onde o escritor mantém coluna bissemanal.

Rubem Alves: tudo sobre sua vida e sua obra em "Biografias".

14 de janeiro de 2008 às 21:11  
Blogger Jorge Lemos disse...

Walmir Amigo

Em nosso mundo, a substância (matéria) surge, aparentemente, do nada,diriam os físicos. Em nossa reflexão, antes do almoço, vendo parte da familia reunida, (você incluso), dei um giro, amplo verdadeiramente, pela nossas vidas: senti que se colocarmos o nosso passado sob a lente de um microscópio atômico veremos que a
única coisa que vai aparecer é a energia dos nossos sonhos.
A materialização destes sonhos
é o que nos mantem plenamente vivos.
É muito bom continuar sonhando.

15 de janeiro de 2008 às 02:30  
Blogger Walmir Lima disse...

Queridos amigos,

Grato por sua visita e por suas palavras, noto carinho e mesmo preocupação.
Assim, preparei um comentário acrescentando e, quem sabe, esclarecendo meu pensamento.
Porém ficou muito longo, então resolvi incluí-lo, não como um comentário, mas como uma postagem, que publico a seguir.
Um beijo doce a todos.

15 de janeiro de 2008 às 02:36  
Blogger Walmir Lima disse...

Gostaria de abraçar e beijar, longamente, cada um de vocês, nesse momento.
Meu amor e carinho.
Walmir

15 de janeiro de 2008 às 02:40  
Blogger Anne M. Moor disse...

Abraçados e beijados nos sentimos e retribuimos...

15 de janeiro de 2008 às 09:02  
Blogger  disse...

Epa!
Eu nao falei nada até agora, e também, quero abraço e beijo...

Realmente , a nostalgia do passado e a esperança no futuro, são sentimentos inevitáveis , e é ótimo poder acessá-los quando melhor nos convier.Mas a delícia da vida, está em ter satisfaçao, na realidade do hoje...
Bjo Walmir
Lú.

15 de janeiro de 2008 às 21:58  
Blogger Walmir Lima disse...

Oh, Lú... Você também tem beijo e abraço.
Mas, eu num tô louco!
Se eu for falá o tanto de bêjo e de abraço que tenho reservado procê, dessa vêiz arrisco é de levá coaquele "poste" bem "no meio das idéia".
Lembra daquele ditado?
"Gato esCALHAUdado tem medo de água fria"?!?!
Vô é ficá quieto no meu canto, sô!

15 de janeiro de 2008 às 23:15  
Blogger  disse...

Ecos de uma grande amizade.
Cunhados forever!
Bj e abraço.
Lú.

16 de janeiro de 2008 às 08:21  
Blogger Udi disse...

"basta existir para ser completo"

falar mais o quê, depois dessa frase?
Parabéns por expressar tão maravilhosamente o que sente!

16 de janeiro de 2008 às 12:18  
Anonymous Anônimo disse...

Walmir,

Lembro de uma passagem do filme "Pecados Íntimos" que me marcou bastante; a pesrsonagem, diz mais ou menos o seguinte:
"durante toda a vida, nos preparamos para perder tudo aquilo que amamos e ainda assim, continuamos vivendo..."

Pra variar, lindo, emocionado e sensível texto.
É sempre um bálsamo lê-los!
Bjão!

18 de janeiro de 2008 às 08:36  


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